sábado, 19 de outubro de 2013

Trabalhando com o gênero exposição oral.

Exposição Oral - Sequência de atividades envolvendo o gênero apresentação oral.
Público - alvo: 8º ano.
Objetivo: desenvolver a oralidade através do gênero exposição oral usando, a princípio, várias fontes de informações (tais como notícias de jornais, gravações, livros) na biblioteca e sala de aula da própria escola, para uma tomada de consciência, pelos alunos, da importância da fala espontânea, da memorização, da entonação de voz, da atitude corporal e do olhar para com os colegas (representando a plateia) obedecendo às características linguísticas adequadas a tal contexto.
Quantidade de aulas: 08 aulas de 50 minutos (utilizando as sextas-feiras)
Justificativa: a escolha do gênero apontado, exposição, segundo os autores lidos, é importante para ser trabalhado na escola porque serve como instrumento privilegiado na transmissão de conteúdos diversificados.  Além disso, do ponto de vista comunicativo, a exposição fornece a leitura e entendimento diversificado de diferentes gêneros. Outra premissa importante é que a exposição apresenta-se de três modos que são bipolar (cada grupo de alunos vai expor um tema), veiculação do conteúdo referencial (organização de coletas de dados) e por fim a assimetria entre locutor e interlocutor (aqui o importante é que os estudantes tragam dados que superem o senso comum, ou seja, que tragam dados novos e não só o que a maioria dos alunos já sabe a respeito do tema).
Estratégias e recursos da aula
(Antes de iniciar o projeto foi proposto o contrato didático com todos os envolvidos).
Levantamento dos conhecimentos prévios
Sequência 1
 Iniciar a aula pedindo aos alunos que respondam (oralmente) as seguintes questões:
  • Você já apresentou algum trabalho oralmente, como numa exposição oral? Em caso positivo, como foi à experiência?
  •  Que aspectos devem ser levados em consideração numa exposição oral?
  •  Será que podemos falar, aqui na frente, como falamos normalmente ou devemos obedecer a critérios próprios para ser apresentado na escola? Por quê?
  •  Como se encadeiam as ideias em uma exposição oral? É possível “ir e vir” o tempo todo durante uma apresentação oral?
  •  Em sua opinião, o que não é permitido, ou seja, o que prejudicaria uma apresentação oral?
Sequência 2  
  •   Explicar aos alunos que participarão de um projeto, no qual terão que fazer leituras em sala de aula e na biblioteca para apresentarem aos colegas, o que foi lido entendido.  
  •  Na biblioteca, sentar-se-ão em grupos de seis e cada grupo receberá um tema sugerido de acordo com a necessidade da sala.
Sequência 3
  •  Foram apresentados os temas abordados em sala durante a semana. Em seguida os alunos votaram nos temas que gostariam de trabalhar.
  •  Os mais votados foram meio ambiente, cidadania e ética.
  •  O professor, como mediador, fez sorteio para cada representante de grupo (dois grupos trabalharão o mesmo tema).
Sugiram 6 grupos que foram montados obedecendo à critérios rigorosos de organização como: aluno como escriba ( um dos melhores da sala), alfabético (para que interaja com os outros e desenvolva-se), ou seja, utilizamos o processo de equipe produtiva no qual todos terão que fazer o produto final.
Sequência 4
  •  Sobre cada tema proposto, o professor colocou materiais suficientes para que os mesmos lessem como: notícias de jornais, artigo de opinião, carta do leitor, poesia, crônica, histórias em quadrinhos e livros envolvendo o assunto.
Sequência 5
  •  Após três aulas fizemos a primeira apresentação na sala, observamos o que ainda estava faltando trabalhar, gravamos para que assistissem após e corrigissem.
  •    Agora com mais embasamento, a turma toda foi avaliar diante do que eu havia explicado para aprendessem o que ainda estava faltando: fase de recapitulação do tema, conclusão e o encerramento. Aqui foi solicitado que eles fizessem rascunho como se fossem fichas para não esquecerem e estudassem mais.
 Sequência 6
  •  Após todas as apresentações pelos grupos que foram ótimas, escolhemos o tema meio ambiente para montarmos um Jornal da Escola como produto final.
Fundamentação teórica: O trabalho apresentado está pautado e fundamentado teoricamente nos autores:
CAVALCANTE, M. MELO, C. “Oralidade no ensino médio: em busca de uma prática”. In: Português no ensino médio e formação do professor. São Paulo: Parábola, 2006.
DOLZ, SCHNEUWLY, PIETRO e ZAHND. “A exposição oral”. In: Gêneros orais e escritos na escola. São Paulo: Mercado de Letras, 2011.
 ILARI, R., BASSO, R. O português da gente. São Paulo: Contexto, 2011.
 LEITE, Marli Quadros. Interação, texto falado e discurso. In: Texto ou discurso? São Paulo: Contexto, 2012, p. 217-218.
 PAVIANI, N. AZEVEDO, T. “O gênero seminário como objeto de ensino-aprendizagem: modelo didático. In: Universo acadêmico em gêneros discursivos. Rio Grande do Sul: EDUCS, 2010.
SCHNEUWLY, B., DOLZ, J. “Os gêneros escolares – das práticas de linguagem aos objetos de ensino”. In: Gêneros orais e escritos na escola. São Paulo: Mercado de Letras, 2011
 

domingo, 29 de setembro de 2013

Situação de Aprendizagem usando o conto 'A missa do Galo' de Machado de Assis.

Justificativa da Situação de Aprendizagem: desmitificar a ideia de que Machado de Assis é um autor incompreensível ao leitor, por ter uma leitura difícil de entendimento. Para tanto, o estudo literário deve ser inserido já no ensino fundamental, pois entende-se que é necessário este contato nos anos finais. 
 
Objetivo Geral: 
  • Despertar o interesse pela leitura e produção de textos, incentivando a interpretação e produção de textos argumentativos nas suas formas oral e escrita a partir da análise das características, dos elementos básicos e da estrutura narrativa do gênero conto  desmistificando a ideia de que Machado de Assis é incompreensível ao leitor.
Objetivos específicos:
  • Analisar o conto "Missa do Galo", de Machado de Assis.
  • Propor atividades interpretativas.
  • Trabalhar a intertextualidade presente no conto com capítulo de 'A Moreninha'.

Público -alvo: 8ª série ou  9º ano.
  
Estratégias:
 
Antes da Leitura:

  • Mostre aos alunos o livro e levante os conhecimentos prévios: sobre o autor, pergunte-os se já conhecem alguma obra, caso alguém conheça e tenha lido, explore esse conhecimento para que todos tenham oportunidade de saber;
  • Fale sobre algumas obras do autor selecionadas por você e mostre aos alunos pode ser em vídeo ou a obras referidas, explique mais ou menos sobre cada uma mostrando capa, contra-capa, imagens, etc;
  • Explique sobre o estilo do autor e /ou fale sobre ele, mostre fotos, conte-lhes sobre a vida do mesmo.

Durante a leitura:
Segundo o texto lido de Isabel Solé, devemos ter um olhar baseado em quatro estratégias que são: 
Levantamento de hipótese, pergunte-os:
  • Vocês já conheciam este texto?
  • O que vocês acharam dele?
  • Qual é o tema tratado no texto?
  • A seu ver, qual o público alvo desse texto? Justifique a sua resposta. Esclarecer as dúvidas, caso algum aluno tenha, (leitura compartilhada, irão aparecendo as dúvidas e o professor vai explicando junto com os alunos)
  • Sintetizar a história do texto. 
Obedecendo essas estratégias quando o professor partir para um entendimento do mesmo, o aluno já não apresentará muitas dificuldades na hora de resolvê-las
Após a Leitura:
  • Depois da leitura é importante fazer o resgate da ideia principal, ou seja, recuperar o tema.
  • Elaborar, uma discussão conclusiva, com a elaboração de uma atividade de entendimento de texto.
  • Intertextualidade: Aqui leia um pequeno capítulo de 'A Moreninha' de Joaquim Manoel de Macedo. Pergunte-os o qual a relação existente entre os dois  textos apresentados? Fale sobre o Romantismo que envolve os dois textos.
  •  Em caso de dúvida por parte de alguns alunos, explique-os sobre intertextualidade.
Após a discussão, apresente as características da narrativa, tipo de foco narrativo encontrado nos textos, tempos verbais e conjunções (articuladores de argumentos). Não se esqueça de pedi-los que voltem ao texto encontrando o quê você está explicando para que haja aprendizagem de verdade.
Sobre o suporte do texto
  •  Observar uma capa, ler um título, folhear um livro, entre outros elementos, contribuem para a aproximação do leitor com o texto, uma vez que geram expectativas que serão ou não comprovadas na leitura.
Observando esses itens como estratégias, podemos vê-los como eixos organizadores de atividades em sala. Além disso, é relevante chamar a atenção dos estudantes para essas ações, para que, efetivamente, possam ser empregadas em outras situações leitoras. Cabe, mesmo, em alguns momentos, sistematizar as estratégias empregadas para a leitura de textos nos gêneros em estudo.

Segue texto para ser analisado.
A Missa do Galo
Nunca pude entender a conversação que tive com uma senhora, há muitos anos,
contava eu dezessete, ela trinta. Era noite de Natal. Havendo ajustado com um vizinho
irmos à missa do galo, preferi não dormir; combinei que eu iria acordá-lo à meia-noite.
A casa em que eu estava hospedado era a do escrivão Meneses, que fora casado, em
primeiras núpcias, com uma de minhas primas A segunda mulher, Conceição, e a mãe desta
acolheram-me bem quando vim de Mangaratiba para o Rio de Janeiro, meses antes, a
estudar preparatórios. Vivia tranqüilo, naquela casa assobradada da Rua do Senado, com os
meus livros, poucas relações, alguns passeios. A família era pequena, o escrivão, a mulher,
a sogra e duas escravas. Costumes velhos. Às dez horas da noite toda a gente estava nos
quartos; às dez e meia a casa dormia. Nunca tinha ido ao teatro, e mais de uma vez,
ouvindo dizer ao Meneses que ia ao teatro, pedi-lhe que me levasse consigo. Nessas
ocasiões, a sogra fazia uma careta, e as escravas riam à socapa; ele não respondia, vestia-se,
saía e só tornava na manhã seguinte. Mais tarde é que eu soube que o teatro era um
eufemismo em ação. Meneses trazia amores com uma senhora, separada do marido, e
dormia fora de casa uma vez por semana. Conceição padecera, a princípio, com a existência
da comborça; mas afinal, resignara-se, acostumara-se, e acabou achando que era muito
direito.
Boa Conceição! Chamavam-lhe "a santa", e fazia jus ao título, tão facilmente suportava os
esquecimentos do marido. Em verdade, era um temperamento moderado, sem extremos,
nem grandes lágrimas, nem grandes risos. No capítulo de que trato, dava para maometana;
aceitaria um harém, com as aparências salvas. Deus me perdoe, se a julgo mal. Tudo nela
era atenuado e passivo. O próprio rosto era mediano, nem bonito nem feio. Era o que
chamamos uma pessoa simpática. Não dizia mal de ninguém, perdoava tudo. Não sabia
odiar; pode ser até que não soubesse amar.
Naquela noite de Natal foi o escrivão ao teatro. Era pelos anos de 1861 ou 1862. Eu já
devia estar em Mangaratiba, em férias; mas fiquei até o Natal para ver "a missa do galo na
Corte". A família recolheu-se à hora do costume; eu meti-me na sala da frente, vestido e
pronto. Dali passaria ao corredor da entrada e sairia sem acordar ninguém. Tinha três
chaves a porta; uma estava com o escrivão, eu levaria outra, a terceira ficava em casa.
— Mas, Sr. Nogueira, que fará você todo esse tempo? perguntou-me a mãe de Conceição.
— Leio, D. Inácia.
Tinha comigo um romance, Os Três Mosqueteiros, velha tradução creio do Jornal do
Comércio. Sentei-me à mesa que havia no centro da sala, e à luz de um candeeiro de
querosene, enquanto a casa dormia, trepei ainda uma vez ao cavalo magro de D'Artagnan e
fui-me às aventuras. Dentro em pouco estava completamente ébrio de Dumas. Os minutos
voavam, ao contrário do que costumam fazer, quando são de espera; ouvi bater onze horas,
mas quase sem dar por elas, um acaso. Entretanto, um pequeno rumor que ouvi dentro veio
acordar-me da leitura. Eram uns passos no corredor que ia da sala de visitas à de jantar;
levantei a cabeça; logo depois vi assomar à porta da sala o vulto de Conceição.
— Ainda não foi? perguntou ela.
— Não fui, parece que ainda não é meia-noite.
— Que paciência!
Conceição entrou na sala, arrastando as chinelinhas da alcova. Vestia um roupão branco,
mal apanhado na cintura. Sendo magra, tinha um ar de visão romântica, não disparatada
com o meu livro de aventuras. Fechei o livro, ela foi sentar-se na cadeira que ficava
defronte de mim, perto do canapé. Como eu lhe perguntasse se a havia acordado, sem
querer, fazendo barulho, respondeu com presteza:
— Não! qual! Acordei por acordar.
Fitei-a um pouco e duvidei da afirmativa. Os olhos não eram de pessoa que acabasse de
dormir; pareciam não ter ainda pegado no sono. Essa observação, porém, que valeria
alguma cousa em outro espírito, depressa a botei fora, sem advertir que talvez não dormisse
justamente por minha causa, e mentisse para me não afligir ou aborrecer Já disse que ela
era boa, muito boa.
— Mas a hora já há de estar próxima, disse eu.
— Que paciência a sua de esperar acordado, enquanto o vizinho dorme! E esperar sozinho!
Não tem medo de almas do outro mundo? Eu cuidei que se assustasse quando me viu.
— Quando ouvi os passos estranhei: mas a senhora apareceu logo.
— Que é que estava lendo? Não diga, já sei, é o romance dos Mosqueteiros.
— Justamente: é muito bonito.
— Gosta de romances?
— Gosto.
— Já leu a Moreninha?
— Do Dr. Macedo? Tenho lá em Mangaratiba.
— Eu gosto muito de romances, mas leio pouco, por falta de tempo. Que romances é que
você tem lido?
Comecei a dizer-lhe os nomes de alguns. Conceição ouvia-me com a cabeça reclinada no
espaldar, enfiando os olhos por entre as pálpebras meio-cerradas, sem os tirar de mim. De
vez em quando passava a língua pelos beiços, para umedecê-los. Quando acabei de falar,
não me disse nada; ficamos assim alguns segundos. Em seguida, vi-a endireitar a cabeça,
cruzar os dedos e sobre eles pousar o queixo, tendo os cotovelos nos braços da cadeira, tudo
sem desviar de mim os grandes olhos espertos.
"Talvez esteja aborrecida", pensei eu.
E logo alto:
— D. Conceição, creio que vão sendo horas, e eu...
— Não, não, ainda é cedo. Vi agora mesmo o relógio, são onze e meia. Tem tempo. Você,
perdendo a noite, é capaz de não dormir de dia?
— Já tenho feito isso.
— Eu, não, perdendo uma noite, no outro dia estou que não posso, e, meia hora que seja,
hei de passar pelo sono. Mas também estou ficando velha.
— Que velha o que, D. Conceição?
Tal foi o calor da minha palavra que a fez sorrir. De costume tinha os gestos demorados e
as atitudes tranqüilas; agora, porém, ergueu-se rapidamente, passou para o outro lado da
sala e deu alguns passos, entre a janela da rua e a porta do gabinete do marido. Assim, com
o desalinho honesto que trazia, dava-me uma impressão singular. Magra embora, tinha não
sei que balanço no andar, como quem lhe custa levar o corpo; essa feição nunca me pareceu
tão distinta como naquela noite. Parava algumas vezes, examinando um trecho de cortina
ou concertando a posição de algum objeto no aparador; afinal deteve-se, ante mim, com a
mesa de permeio. Estreito era o círculo das suas idéias; tornou ao espanto de me ver esperar
acordado; eu repeti-lhe o que ela sabia, isto é, que nunca ouvira missa do galo na Corte, e
não queria perdê-la.
— É a mesma missa da roça; todas as missas se parecem.
— Acredito; mas aqui há de haver mais luxo e mais gente também. Olhe, a semana santa na
Corte é mais bonita que na roça. S. João não digo, nem Santo Antônio...
Pouco a pouco, tinha-se reclinado; fincara os cotovelos no mármore da mesa e metera o
rosto entre as mãos espalmadas. Não estando abotoadas as mangas, caíram naturalmente, e
eu vi-lhe metade dos braços, muito claros, e menos magros do que se poderiam supor.
A vista não era nova para mim, posto também não fosse comum; naquele momento, porém,
a impressão que tive foi grande. As veias eram tão azuis, que apesar da pouca claridade,
podia, contá-las do meu lugar. A presença de Conceição espertara-me ainda mais que o
livro. Continuei a dizer o que pensava das festas da roça e da cidade, e de outras cousas que
me iam vindo à boca. Falava emendando os assuntos, sem saber por que, variando deles ou
tornando aos primeiros, e rindo para fazê-la sorrir e ver-lhe os dentes que luziam de
brancos, todos iguaizinhos. Os olhos dela não eram bem negros, mas escuros; o nariz, seco
e longo, um tantinho curvo, dava-lhe ao rosto um ar interrogativo. Quando eu alteava um
pouco a voz, ela reprimia-me:
— Mais baixo! mamãe pode acordar.
E não saía daquela posição, que me enchia de gosto, tão perto ficavam as nossas caras.
Realmente, não era preciso falar alto para ser ouvido: cochichávamos os dous, eu mais que
ela, porque falava mais; ela, às vezes, ficava séria, muito séria, com a testa um pouco
franzida. Afinal, cansou, trocou de atitude e de lugar. Deu volta à mesa e veio sentar-se do
meu lado, no canapé. Voltei-me e pude ver, a furto, o bico das chinelas; mas foi só o tempo
que ela gastou em sentar-se, o roupão era comprido e cobriu-as logo. Recordo-me que eram
pretas. Conceição disse baixinho:
— Mamãe está longe, mas tem o sono muito leve, se acordasse agora, coitada, tão cedo não
pegava no sono.
— Eu também sou assim.
— O quê? perguntou ela inclinando o corpo, para ouvir melhor.
Fui sentar-me na cadeira que ficava ao lado do canapé e repeti-lhe a palavra. Riu-se da
coincidência; também ela tinha o sono leve; éramos três sonos leves.
— Há ocasiões em que sou como mamãe, acordando, custa-me dormir outra vez, rolo na
cama, à toa, levanto-me, acendo vela, passeio, torno a deitar-me e nada.
— Foi o que lhe aconteceu hoje.
— Não, não, atalhou ela.
Não entendi a negativa; ela pode ser que também não a entendesse Pegou das pontas do
cinto e bateu com elas sobre os joelhos, isto é, o joelho direito, porque acabava de cruzar as
pernas. Depois referiu uma história de sonhos, e afirmou-me que só tivera um pesadelo, em
criança. Quis saber se eu os tinha. A conversa reatou-se assim lentamente, longamente, sem
que eu desse pela hora nem pela rnissa Quando eu acabava uma narração ou uma
explicação, ela inventava outra pergunta ou outra matéria e eu pegava novamente na
palavra. De quando em quando, reprimia-me:
— Mais baixo, mais baixo. . .
Havia também umas pausas. Duas outras vezes, pareceu-me que a via dormir; mas os olhos,
cerrados por um instante, abriam-se logo sem sono nem fadiga, como se ela os houvesse
fechado para ver rnelhor. Uma dessas vezes creio que deu por mim embebido na sua
pessoa, e lembra-me que os tornou a fechar, não sei se apressada ou vagarosamente. Há
impressões dessa noite, que me aparecem truncadas ou confusas. Contradigo-me, atrapalho-me.
Uma das que ainda tenho frescas é que em certa ocasião, ela, que era apenas simpática,
ficou linda, ficou lindíssima. Estava de pé, os braços cruzados; eu, em respeito a ela, quis
levantar-me; não consentiu, pôs uma das mãos no meu ombro, e obrigou-me a estar
sentado. Cuidei que ia dizer alguma cousa; mas estremeceu, como se tivesse um arrepio de
frio voltou as costas e foi sentar-se na cadeira, onde me achara lendo. Dali relanceou a vista
pelo espelho, que ficava por cima do canapé, falou de duas gravuras que pendiam da
parede.
— Estes quadros estão ficando velhos. Já pedi a Chiquinho para comprar outros.
Chiquinho era o marido. Os quadros falavam do principal negócio deste homem. Um
representava "Cleópatra"; não me recordo o assunto do outro, mas eram mulheres. Vulgares
ambos; naquele tempo não me pareciam feios.
— São bonitos, disse eu.
— Bonitos são; mas estão manchados. E depois francamente, eu preferia duas imagens,
duas santas. Estas são mais próprias para sala de rapaz ou de barbeiro.
— De barbeiro? A senhora nunca foi a casa de barbeiro.
— Mas imagino que os fregueses, enquanto esperam, falam de moças e namoros, e
naturalmente o dono da casa alegra a vista deles com figuras bonitas. Em casa de família é
que não acho próprio. É o que eu penso, mas eu penso muita cousa assim esquisita. Seja o
que for, não gosto dos quadros. Eu tenho uma Nossa Senhora da Conceição, minha
madrinha, muito bonita; mas é de escultura, não se pode pôr na parede, nem eu quero. Está
no meu oratório.
A idéia do oratório trouxe-me a da missa, lembrou-me que podia ser tarde e quis dizê-lo.
Penso que cheguei a abrir a boca, mas logo a fechei para ouvir o que ela contava, com
doçura, com graça, com tal moleza que trazia preguiça à minha alma e fazia esquecer a
missa e a igreja. Falava das suas devoções de menina e moça. Em seguida referia umas
anedotas de baile, uns casos de passeio, reminiscências de Paquetá, tudo de mistura, quase
sem interrupção. Quando cansou do passado, falou do presente, dos negócios da casa, das
canseiras de família, que lhe diziam ser muitas, antes de casar, mas não eram nada. Não me
contou, mas eu sabia que casara aos vinte e sete anos.
Já agora não trocava de lugar, como a princípio, e quase não saíra da mesma atitude. Não
tinha os grandes olhos compridos, e entrou a olhar à toa para as paredes.
— Precisamos mudar o papel da sala, disse daí a pouco, como se falasse consigo.
Concordei, para dizer alguma cousa, para sair da espécie de sono magnético, ou o que quer
que era que me tolhia a língua e os sentidos. Queria e não queria acabar a conversação;
fazia esforço para arredar os olhos dela, e arredava-os por um sentimento de respeito; mas a
idéia de parecer que era aborrecimento, quando não era, levava-me os olhos outra vez para
Conceição. A conversa ia morrendo. Na rua, o silêncio era completo.
Chegamos a ficar por algum tempo, — não posso dizer quanto, — inteiramente calados. O
rumor único e escasso, era um roer de camundongo no gabinete, que me acordou daquela
espécie de sonolência; quis falar dele, mas não achei modo. Conceição parecia estar
devaneando. Subitamente, ouvi uma pancada na janela, do lado de fora, e uma voz que
bradava: "Missa do galo! Missa do galo"
— Aí está o companheiro, disse ela levantando-se. Tem graça; você é que ficou de ir
acordá-lo, ele é que vem acordar você. Vá, que hão de ser horas; adeus.
— Já serão horas? perguntei.
— Naturalmente
— Missa do galo! — repetiram de fora, batendo.
— Vá, vá, não se faça esperar. A culpa foi minha. Adeus até amanhã.
E com o mesmo balanço do corpo, Conceição enfiou pelo corredor dentro, pisando
mansinho. Saí à rua e achei o vizinho que esperava. Guiamos dali para a igreja. Durante a
missa, a figura de Conceição interpôs-se mais de uma vez, entre mim e o padre; fique isto à
conta dos meus dezessete anos. Na manhã seguinte, ao almoço falei da missa do galo e da
gente que estava na igreja sem excitar a curiosidade de Conceição. Durante o dia, achei-a
como sempre, natural, benigna, sem nada que fizesse lembrar a conversação da véspera.
Pelo Ano-Bom fui para Mangaratiba. Quando tornei ao Rio de Janeiro em março, o
escrivão tinha morrido de apoplexia. Conceição morava no Engenho Novo, mas nem a
visitei nem a encontrei. Ouvi mais tarde que casara com o escrevente juramentado do
marido.

(Machado de Assis)
Produto Final
Debate
“A missa do galo”, a grande atração que o conto exerce sobre o leitor está presente  na ambiguidade da narração em primeira pessoa, que deixa alguns fatos incertos, sugerindo mais do que explicando. Mostrar passagens do conto que permitam dupla interpretação e colocam em xeque as observações do narrador.
 A classe foi divididas em 6 grupos sendo que cada argumento abordado, será trabalhado por dois grupos:
 Grupo 1 - defende que D. Conceição não teve outras intenções com o Sr. Nogueira. Ela teve uma conversa normal e quem imaginou outras hipóteses foi o Sr. Nogueira.
Grupo 2 -  defende a hipótese contrária: houve um envolvimento emocional e até físico com o Sr. Nogueira.
Grupo 3 - defende a hipótese que tudo não passou de sensações e que o narrador - personagem procura envolver o leitor lançando lhe indagações e questionamentos que cada um interpretará a sua maneira.
 Cada grupo escreverá suas considerações justificando sua argumentação e posteriormente, sob a mediação do professor apresentará sua defesa oral que não deverá ultrapassar 15 minutos.  
Finalizando, cada grupo produzirá um artigo de opinião que será postado no blog e no jornal da escola.
 Avaliação:
        Será contínua contemplando a aprendizagem durante todo o processo de construção de conhecimento no sentido macro da aprendizagem, colocando o aluno no lugar de protagonista.
Atividade sobre o conto "Missa do galo", de Machado de Assis.
 1.Quando ocorre a experiência vivida pelo Sr. Nogueira?
2.Em que cidade e em que lugar ocorrem os fatos?
3.Quais dos seguintes fragmentos evidenciam a atração de Nogueira por Conceição:
a)      Que velha o quê, D. Conceição!
b)      Cochichávamos os dois, eu mais que ela, porque falava mais
c)      Mais baixo! Mamãe pode acordar.
d)      A presença de Conceição espertara-me ainda mais que o livro. Ela, que era apenas simpática, ficou linda, ficou lindíssima. 
4. Quais dos fragmentos seguintes evidenciam haver pensamentos e sentimentos contraditórios em Conceição?
a)      Cuidei que ia dizer alguma coisa, mas estremeceu, como se tivesse um arrepio de frio, voltou as costas e foi sentar-se.
b)      Depois referiu uma história de sonhos, e afirmou-me que só tivera um pesadelo em criança.
c)      Mais baixo! Mamãe pode acordar. Ela, às vezes, ficava séria, muito séria, com a testa um pouco franzida.
d)     É possível dizer que toda a carga de emoções e valores que acompanha as personagens é universal e particular.
e)      Não, não, ainda é cedo. Vi agora mesmo o relógio, são onze e meia. Tem tempo. Você,
perdendo a noite, é capaz de não dormir de dia?
5. Na sua opinião, ocorreu ou não algum envolvimento amoroso entre Conceição e Nogueira?
6. A seguir, são relacionadas as características relativas ao amor e ao herói ou à heroína românticos. Elabore um quadro com as características realistas correspondentes encontradas em “Missa do galo”.
•      A mulher amada, para o herói romântico, é sinônimo de beleza e perfeição.
•      O casamento, no Romantismo, é resultado de um amor profundo e o fim de uma longa trajetória de obstáculos.
•      O herói romântico apresenta caráter forte e comportamento íntegro e linear, que raramente se altera ao longo da história.
Bom trabalho!!

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Situação de Aprendizagem para o 6º ano.

Leia o texto a seguir para responder às questões que seguem:


PEDRO MALASARTES E A SOPA DE PEDRA

Um dia, Pedro Malasartes vinha pela estrada com fome e chegou a uma casa onde morava uma velha muito pão-dura.

– Sou um pobre viajante faminto e cansado. Venho andando de muito longe, há três anos, três meses, três semanas, três dias, três noites, três horas...

– Pare com isso e diga logo o que quer – interrompeu a mulher.

– É que estou com fome. Será que a senhora podia me ajudar?

– Não tem nada de comer nesta casa – foi logo dizendo a velha.

Ele olhou em volta, viu um curral cheio de vacas, um galinheiro cheio de galinhas, umas gaiolas cheias de coelhos, um chiqueiro cheio de porcos. E mais uma horta muito bem cuidada, um pomar com árvores carregadinhas de frutas, um milharal viçoso, uma roça de mandioca.

– Não, a senhora entendeu mal. Eu não preciso de comida, não. Só queria era uma panela emprestada e um pouco d’água. Se a senhora me deixar usar seu fogão, eu já estou satisfeito. Porque aqui no chão tem muita pedra, e isso me basta. Eu faço uma sopa de pedra maravilhosa e nunca preciso de mais nada, já fico de barriga cheia.

Desse jeito, ela não tinha como negar. Então deixou. Meio de má vontade, mas deixou. Só repetiu:

– Sopa de pedra?

– É... – disse ele, se abaixando para pegar uma pedra no chão. – Com esta pedra aqui eu faço a sopa mais deliciosa do mundo. O importante é lavar bem, esfregar bem esfregadinho e deixar a pedra bem limpa antes de botar na panela.

E Malasartes então tratou de lavar bem a pedra, como disse. Em seguida, encheu a panela com água, pôs a pedra dentro e botou tudo no fogo. Quando a água começou a ferver, ele provou e disse:

– É... até que não está ruim... Só não vai ficar boa mesmo, de verdade, porque não tem sal.

– Não seja por isso – disse a velha. – Eu tenho e lhe dou uma pitada.

– Ótimo. Com um pouquinho de cebola e alho, fica melhor ainda.

– Não seja por isso – disse ela. – Eu lhe arrumo.

– E um temperinho verde, da horta, será que não tem? Dá um gostinho especial na sopa...

– Vá lá, não é por isso que essa sua sopa vai ficar sem gosto.

Foi pegar tudo o que Pedro Malasartes pediu e voltou depressa para o lado dele. Estava louca para aprender a fazer aquela sopa. Podia ser mesmo uma sorte receber aquele viajante em casa. Se ele lhe ensinasse a se alimentar só com uma sopa feita de pedra e água, com certeza ia economizar muito daí por diante.

Mas não pôde ficar muito tempo na beira do fogão, observando. Porque logo que Pedro jogou os ingredientes na panela e deu uma mexida, ele tornou a provar e fez uma cara de quem estava em dúvida.

– O que foi? – perguntou a mulher.

– Não sei bem. Parece que falta alguma coisa nesse caldo. Talvez um pedacinho de carne ou de lingüiça...

– Não seja por isso – respondeu ela. – Se é uma sopa tão maravilhosa e tão econômica assim, não vai ser por um pedacinho de carne que vamos perder essa maravilha.

 Foi lá dentro e voltou com um pedaço de carne, outro de paio e uma lingüiça. Malasartes jogou tudo dentro da panela. Deixou cozinhar mais um pouquinho e então respirou fundo:

– Está começando a ficar cheirosa, não acha?

– É mesmo, concordou a velha, interessada.

– O problema é que vai ficar meio sem graça assim branquela, sem cor. O gosto está bom, mas fica sempre melhor quando a gente tem um pouco de colorido para enfeitar. Um pedaço de abóbora, umas folhas de couve, de repolho, uma cenourinha, uma batatinha... mas isso não é mesmo muito importante, a senhora não acha? É só aparência...

A mulher, louca para aprender bem a fazer aquela sopa preciosa, foi dizendo:

– Não seja por isso. Vou ali na horta buscar.

Voltou carregada de tudo o que ele pediu e mais um nabo, dois maxixes, uma batata-doce, um chuchu, uma espiga de milho. Até uma banana-da-terra. A essa altura, ela já não se limitava a ficar olhando. Tratava de ajudar mesmo, para andar depressa e também para ela ter certeza de que não estava perdendo nenhuma etapa da preparação daquele prato tão maravilhoso e econômico. Por isso, foi logo lavando todas as verduras para tirar a terra e limpar bem, descascou o que era de descascar, e foi passando para Pedro, que cortava e jogava na panela.

E o fogo, ó, ia esquentando. E a água, ó, ia fervendo. E a sopa, ó, ia borbulhando.

Os dois esperavam, sentindo aquele cheiro ótimo. De vez em quando, Malasartes provava. E suspirava:

– Hum! Está ficando gostosa...

– Está mesmo um cheiro delicioso – concordava a velha.

Daí a pouco, ele provou de novo e concluiu:

– Pronto! Agora está perfeita! Uma delícia. É só tomar.

A velha trouxe dois pratos fundos, e ele serviu. Ela ficou olhando, para ver o que ele fazia com a pedra, mas Pedro deixou a pedra na panela.

– E a pedra? – perguntou.

– A gente joga fora.

– Joga fora?

– É... Ou então lava bem e guarda para fazer outra sopa no dia em que for preciso enganar outro bobo.

Uns dizem que ela ficou tão furiosa que jogou a panela em cima dele, com sopa quente, pedra e tudo.

Outros dizem que ela deu uma gargalhada, viu que tinha merecido, mas tratou de tomar a sopa e guardar a pedra.

Pode escolher o fim. E fica sendo assim.

                                    MACHADO, Ana Maria. Histórias à brasileira: Pedro Malasartes e outras.


1- Assinale entre as alternativas abaixo a que indica a função do texto:

a)  (      ) dar informações;

b)  (      ) ensinar uma receita de sopa;

c)  (      ) contar uma história;

d)  (      ) convencer o leitor a aderir a uma ideia.


2- O assunto desse texto é a sopa de pedra feita por Pedro Malasartes. Qual o tema desenvolvido por meio dessa história? Assinale:

a)  (     ) avareza X generosidade;             

b)  (     ) mentira X verdade;          

c)  (     ) ignorância X cultura;                    

d)  (     ) astúcia X ingenuidade.


3- O personagem Pedro Malasartes se descreve como pobre, faminto e cansado. Qual a intenção do personagem ao usar esses adjetivos? Assinale:

a)  (     )   apelar para a sensibilidade da dona  da casa;

b)  (     )   fazer com que a dona da casa se sinta ameaçada, insegura;

c)  (     )   criar um vínculo de identificação com a dona da casa;

d)  (     )   tornar-se simpático, alegre e agradável aos olhos da dona da casa.